domingo, 19 de setembro de 2010

Sentido

O sol da tarde preenche o céu de rubor e pinta de dourado a pele do escritor, que insiste em tomar à mão a caneta para sujar a branca folha de tinta. O vento que sopra, brinca com a sensibilidade da pele que se faz sentir no balouçar dos pêlos que lhe cobrem o corpo. E o vento, não contente, se manifesta no ranger das folhas e galhos das árvores, que gemem o prazer do frescor da brisa que alivia a sensação do mormaço quente que cai sobre a terra numa onda densa qual o ar fosse o próprio mercúrio. E por um pequeno instante os pássaros não se fazem ouvir ou seriam insetos os donos de todos aqueles rumores?
Os pés que tocam a terra reclamam das fisgadas das benditas formigas que se desesperam diante da tranquilidade do homem que escreve, o mesmo que rufa os tambores da guerra cada vez que bate o seu coração e amedronta os pequenos soldados em choque. Na boca o seco sabor da poeira que denuncia a baixa umidade e deixa o ambiente aparentemente hostil. E o calor arranca da pele a água salobre que tanto agora quanto antes tinham a intenção de refrescar.
E apesar da riqueza de detalhes e da simultaneidade de acontecimentos e da diversidade de vida, tudo é tão calmo, e o vento nem sopra mais tão forte, e os pássaros e insetos ficaram tão distantes, os pés nem tocam mais o chão e já foi selada a paz com as guerreiras formigas, e a mente se inundou tão profundamente de vácuo que o sono chegou e tornou apenas mais agradável essa tarde de fim de inverno.