Atenta-me que
depois de tantos anos tenha meu coração enrijecido. Ao passo que imaginava que
o tempo fosse tornando-lhe maleável. Incidindo sobre mim tantas informações e
imagens de um mundo tão racional que amortecem qualquer tentativa de
manifestação da minha imaginação bruta. Os anos me emburreceram. Pelo
contrário, me tornaram técnico, calculista, objetivista. Não, realmente me
emburreceram, juntamente com uma sociedade que só precisa dos meus números,
resultados, fins, e que viu no meu sorriso a possibilidade de quantificá-lo,
qualificá-lo. Tudo que me é solicitado ou exigido é reto, direto, prevê um
resultado, tem um sentido, enquanto há tanto tempo o sentido das coisas era o
prazer, a comunhão, as gargalhadas, a diversão. Na verdade, também era
objetivista, mas creio que tinha um fim mais nobre. Àquela época eu tinha a
sensação de ser forte, de ser o escolhido (que ideia boba), de ser o centro do
mundo ou o ator principal de uma peça que girava em meu torno (eu sei que soa
egoísta, perdão), eu tinha a sensação de que meus músculos eram mais fortes,
assim como minha agilidade e perspicácia tinham uma agudez tão forte quanto
selvagem, e que a minha física derrubava as leis da gravidade, ou que a
gravidade dava mais garbo às minhas qualidades. Hoje, porém, me sinto igual, me
sinto o mesmo, fruto da massificação, mais uma coca-cola dentro do engradado, inerte
e fraco, tão longe do poder da mudança quanto nunca em outro momento. Na
verdade, somos todos a mesma coisa, mas sinto em perceber que estou me tornando
o mesmo até onde ser o mesmo significa morrer.
O tempo
escorre por entre as frestas do espaço levando consigo inocência e juventude,
tornando o que era novo em velho, o que era surpreendente em usual, definhando
o amor dos apaixonados e fazendo-lhe desavenças e desentendimentos. Ao mesmo
tempo que traz consigo sabedoria, carisma e humildade, vai desgastando todas as
sensações possíveis. Todas elas perdem o vigor, a força e a pulsação. A verdade
é que o prazer vai sempre estar no novo e no diferente. E aquilo com que
estamos acostumados vai nos impregnando de si até tornar-se um hábito, que fere
se não feito, mas que não sustenta como em outros tempos.
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