Em alto mar a barca se perde no meio do azul, que em degradê vai
tornando-se cinza até a água tocar o céu em tom enegrecido, azul escuro. O
beijo celeste é selvagem ao ponto de fazer o há tão pouco calmo mar tornar-se
esquizofrênico, ou seria a pura expressão do desejo todo aquele frenesi? O
sopro que toca o pé do ouvido náutico excita cada gota salina que em enormes
quantidades dançam organizadamente o corpo da onda, que em descompasso com os
outros grupos se engalfinham/atracam umas nas outras, tornando a espatifar-se inertes
novamente no mar. A pequena embarcação é engolida pelo vento que a chupa até
fazê-la esbarrar nas ondas enormes e furiosas que deixam a espuma raivosa e
doentia no assoalho da nau toda vez que caem e levam consigo um pedaço de terra
firme consigo. De dentro daquele cinza resmungam os deuses enormes raios que
cortam o ar desesperados sem saber pra onde ir, sem saber que todos eles morrem
agonizantes na água. Os clarões repentinos e os rasgos no céu trazem consigo o
grito rouco e brabo e que se faz sentir tão presente quando estremecem a
carcaça de qualquer ser vivo ao redor de si, até mesmo a mais valente das
feras, ou o mais ousado navegante, seja ele um aventureiro ou um filho do mar
que tira dele o seu alimento. Mas seja quem for, não há quem duvide que a
tempestade é o exemplo vivo da morte. As madeiras da barca choramingam aos
rangidos a dor da surra que toma, enquanto o capitão, louco, soa sangue
arrastando a embarcação contra a tempestade. As gotas que caem do céu rasgam o
ar e explodem nas costas da tripulação angustiada que permanece quieta frente o
desrespeito do homem que pilota através do leme o destino de suas vidas. O
capitão, pressionando entre o leme e as mãos a corrente de Yemanjá, veste-se de
toda a sobriedade do mundo. Ele não é louco nem nada do tipo. A experiência no
mar só o faz lembrar que após toda tempestade, o mar e o céu se reconciliam, e
tudo se reveste de calma. É só esperar.
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